O emocionante sacramento dado por Glorinha Pires Rebelo a seu filho e a André Piva

Ai, ai, que falta me faz a irresponsabilidade dos meus 18 anos, a inconsequência dos 20, a porralouquice dos 25. Agora, aos 60, na flor da consciência, no auge da maturidade experiente, fico dando voltas para transmitir a vocês o exato sentimento da importância do casamento de André Piva e Carlos Tufvesson no Museu de Arte Moderna na noite de segunda-feira…

Não, não foi mais um casamento gay a atrair os olhares da curiosidade do público, os flashes da excentricidade da mídia. Não foi mais uma união exótica, nem foi uma festa de excluídos, como gostariam alguns, muito menos um evento de fosforescências na Lapa ou uma união cintilante transpirando paetês. Foi uma noite familiar e digna. Muito mais do que uma festa linda e animada – pois festa baphônica tem todo dia – foi um evento único, importante, fundamental. Um divisor de águas marcante nas biografias de todos que nele estiveram. Coisa assim para se chegar em casa e registrar no diário: “Eu estive lá!”…

Pela primeira vez, na melhor sociedade brasileira, dois jovens do mesmo sexo uniam-se em matrimônio em grande estilo, em grande evento, com toda visibilidade possível e impossível, da maneira mais clássica, tradicional e, posso até dizer, a mais conservadora. Tudo de acordo com os rituais de nossos pais, avós e bisavós. Dos convites ao cortejo à seriedade da ocasião, das palavras compenetradas da oficiante à emoção dos nubentes e até ao bolo, ao brinde e à mesa de doces. Mais do que seu sexo, o que importava era o divino compromisso que aquelas duas pessoas assumiam diante de nós: o de serem plenamente felizes…

Pronto, falei!…

O estilista Luís de Freitas, com sua extravagante boina espanhola de veludo preto, olhava-me bem dentro dos olhos e perguntava: “Você imaginou que viveria para ver este dia?”. Fazia uma pausa, olhava-me de novo fixamente e perguntava a mesma coisa. E assim se passou boa parte do tempo que estivemos juntos, durante a recepção daquele casamento para o qual ser convidado foi um grande prêmio. Afinal, eram, pelos meus cálculos, no máximo 300 pessoas ocupando os espaços no MAM. A estilista Glorinha Pires Rebelo, a bem relacionadíssima mãe de Tufvesson, queixava-se de que não teve mais do que 15 convites para distribuir entre os amigos. Mais 15 para a mãe do Piva, restavam então, digamos, 270 convites. Haja seleção!…

Luís de Freitas estava profundamente comovido. Ele, assim como a maioria dos que assistiram à cerimônia, foi cumprimentar Glorinha, que disse as palavras finais, encerrando a cerimônia e sacramentando aquele casamento, em nome de sua maternidade e da de Bia Piva, mãe de André. As palavras de Glorinha saíram com ímpeto, firmeza, jorraram incisivas: “Fico muito feliz em, depois de tantos problemas, batalhas, preconceitos, ver meus filhos unidos e felizes. Pois André para mim é um quarto filho”. Glorinha agradeceu à sua mãe, Maria Luiza, grande esteio familiar; à filha, Renata; ao filho, Carlos Alberto; ao genro, Carlos. E por fim fez a grande declaração: “Por isso, eu, Glória Maria Pires Rebelo, com a autoridade conferida como mãe de Carlos Alberto Tufvesson, e ela, Bia, mãe de André Piva, diante das leis do amor, vos declaramos casados!”.

Foi apoteótico! As palmas, as lágrimas, a emoção, o sentimento profundo e verdadeiro arrebatando a todos nós. Porque não há maior autoridade do que a da maternidade. Não há toga, nem venda nos olhos, nem chapeu emplumado que valha mais, que diga mais do que a mãe depertando às seis da manhã para preparar a merenda do filho para o colégio. Ou colocando o termômetro sob o bracinho do menino febril. Ou de sua angústia à espera do resultado das notas do vestibular. Não há nada mais sublime do que a silenciosa e respeitosa aflição materna diante das dúvidas de um filho, de suas expectativas profissionais, afetivas, sexuais, materiais. Sim, Glorinha, sim, Bia, nenhum poder neste mundo, nem em outro mundo qualquer, se é que existem outros, pode ser maior do que o naturalmente conferido a vocês, pelo simples fato de serem vocês as detentoras deste título absoluto e inquestionável: vocês são as mães…

E nós, humildes, reverentes, nos dobramos. Esperamos que a Justiça brasileira o faça também…

Ouçam vocês aqui, apesar de ser um áudio amador, o emocionante discurso em que Glorinha “casou” Carlos Alberto e André. Clique sobre esta frase abaixo, escrita em negrito, e a voz aparecerá:

 

Clique aqui para ouvir o áudio de Glorinha Pires Rebelo – Casamento Tufvesson e Piva

 

Pedido negado

Apesar de já viverem juntos há 16 anos, Tufvesson e Piva tiveram negado o pedido de conversão de sua união estável em casamento pelo juiz da 1ª Vara de Registro Público da capital, Luiz Henrique Oliveira Marques. A sentença contraria a decisão dos ministros do STJ, que, conforme antecipado por este blog, reconheceram, em 25 de outubro passado, o casamento civil entre pessoas do mesmo sexo…

Este episódio, porém, apesar de, no primeiro momento, gerar tanta indignação e ansiedade, pode resultar em benefícios para muitos homossexuais que também pleiteiam o direito ao casamento. Conforme revelou a advogada Ana Tereza Basílio, que fez as vezes de “oficiante”, o Supremo, através do ministro Fux, acolheu o pedido de avaliação do caso. Caso julgue favoravelmente, isso significará um happy end definitivo, nessas idas e vindas, repetindo a decisão já tomada pelo STJ. Acabará o stress…

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