Nem botox demais nem encarquilhado em excesso: o blog propõe o padrão brasileiro

Em resposta ao meu texto de ontem, sobre as providências globais para que seus atores não se excedam no botox, o que foi tema levantado por este blog, recebi este comentário enfurecido, aqui transcrito e abaixo respondido…

“Lourinho

Seria muito engraçado se a Hilde, nesse novo papel de justiceira, fizesse a mesma coisa com suas amigas ricas da society carioca: uma lista das múmias egipcias botoxadas que enchem as paginas de seu blog.
As desocupadas com certeza levariam numa boa como fizeram aquelas duas maravilhosas atrizes da Globo que foram ofendidas pelo site…”

Minha resposta:

Lourinho, que se esconde atrás de um pseudônimo, tão preocupado com supostas “ofensas” que este site/blog teria feito a duas atrizes maravilhosas, esquece-se do colar de muitas voltas de elogios a elas no mesmo texto, para concentrar-se apenas naquilo que supostamente reforça seu ponto de vista.

Este pouco polido cavalheiro listou as iniciais daquelas que julga “múmias egípcias” as quais eu, obviamente, deletei, pois sou uma blogueira educada. Esquece-se ele que, na vida real, ninguém tem o compromisso de aparentar um rosto que esteja de acordo com os critérios de beleza exigidos por ele, enquanto quem está no vídeo de uma TV tem, sim, que satisfazer os padrões pretendidos pela audiência que o assiste. É assim que a roda gira.

Pois vai aqui minha análise técnica, e não simplesmente raivosa, como me parece o comentário destituído de qualquer embasamento deste leitor.

Lourinho desconhece que o corpo de uma atriz, aí incluído seu rosto, é seu “instrumento de trabalho”, o que é dito e repetido em qualquer sala de aula, em qualquer curso de interpretação, em qualquer escola no mundo.

O corpo-rosto de uma atriz/de um ator deve ter total plasticidade, para poder se adaptar a qualquer personagem, que exerça qualquer atividade e que pertença a qualquer extrato social. Por isso, uma atriz/um ator deve exercitar-se física e vocalmente e evitar o excesso de peso.

Uma cirurgia plástica, por exemplo, é limitadora para uma atriz/um ator, pois a/o restringe a apenas fazer personagens de extrato social mais elevado, já que não concebemos uma senhora idosa muito pobre com o rosto repuxado de quem, anos atrás, recorreu às sofisticações de um lifting (e as cirurgias do passado eram bem evidentes).

Este, aliás, deve ter sido o motivo de nossa grande diva Fernanda Montenegro jamais ter se deixado operar, o que confere verdade e credibilidade ainda maiores, independentemente de seus desempenhos magistrais, a qualquer papel que faça.

Assim, nos dias de hoje, na TV, para termos uma senhora idosa “descamisada”, os diretores de elenco das produções ficam restritos a escalar Ilva Niño ou Laura Cardoso e algumas outras poucas, pois as demais todas se submeteram a cirurgias no passado, o que compromete seus desempenhos, por melhores que sejam…

Na última década e mais um pouco, as cirurgias plásticas se tornaram menos evidentes, vamos ver os resultados que as cirurgias realizadas na década passada operarão nos rostos de nossas atrizes dentro de alguns anos…

No momento atual, o que mais constrange são os preenchimentos e o congelamento das expressões, embora temporários, pois impedem atrizes/atores de externarem suas emoções, o que tem incomodado bastante aos espectadores e, penso, também aos diretores e aos próprios autores das novelas, que veem a intensidade de seu texto ser sugada pelas seringas nos consultórios dos dermatologistas…

Um exemplo de uma novela que tem se valido do bom desempenho de notáveis atores, que não são prejudicados pelo uso excessivo de tratamentos estéticos, é Aquele beijo, do autor Miguel Falabella, com direção de Cininha de Paula. Senão, vejamos…

Comecemos pela diva maior deste elenco e de todos os outros que estão no ar: Marília Pêra

Um dos mais belos e impressionantes desempenhos que já acompanhei na TV brasileira, interpretando o personagem Maruschka, Marília está uma Bette Davis. Seu “bife” (texto longo), quando foi ao Covil do Bagre desacatar a filha/o filho Ana Girafa por ela/ele simplesmente existir, foi algo memorável. Para gravar e guardar. Intenso, solto, profundo, denso, sem limite. O desempenho de Marília e o texto de Miguel. Para nós, de casa, absolutamente paralisante.

Marília guarda no rosto todas as indispensáveis marcas de idade, vida, sofrimentos, dissabores, risos, felicidade. E deve haver também algum tratamento estético, porém, se houver, é bem feito. Sem lhe dissipar a expressão e a ação do tempo. Apenas “abrindo” os olhos para que não lhe toldem a emoção. Atriz inteligente faz assim…

Outros desempenhos femininos altamente elogiáveis da novela (e bota altamente nisso), e que as impressões do tempo para isso contribuem: Maria Gladys, como a Eveva autêntica e honesta; Maria Zilda, a vilã psicopata com um quê de humor negro; a sarcástica “Mirta” Jacqueline Laurence, com seu tapa-olho combinando com os vestidos; Stella Miranda & sua Locanda tragicômica; a impagável Violante, da grande atriz Telma Reston (sumida, tá fazendo a maior falta, cadê ela?); Bia Nunnes, primorosa como Damiama; a Íntima neurótica de Elizângela...

As sem contagem de tempo para rugas também brilham. Grazi Massafera, como Lucena, confirmou os bons presságio que fazem de uma carreira brilhante para ela na TV. Maria Maya não precisa de teste de DNA para provar que é legítima sobrinha de Chico Anysio, filha de Cininha de Paula e Wolf Maya, neta de Lupe Gigliotti, o talento está todo lá em sua Raíssa. A terna e firme Belezinha da Bruna Marquezine.

A bela revelação de Leilah Moreno, como a maléfica Grace Kelly, e, ainda, no cast negro, as boas atuações de Karin Hils (Bernadete), Mary Sheila (Marisol), Priscila Marinho (Taluda), Zezeh Barboza (Deusa, a condessa milionária).

Patrícia Bueno, com todas as suas ruguinhas, poucas mas simpáticas, como bondosa diretora de orfanato, cumpre belamente a missão. Cynthia Falabella, a Estela má, vinda das novelas da Record, pisa com pé direito em Aquele beijo. A gorduchinha Brites, da lusa Maria Vieira. A surpreendente Raimundinha, de Lana Gueleiro. A Ana Girafa do… ah, mas esta quem interpreta é o Luís Salem, e não é que eu tinha esquecido? Está tão convincente. Um beijo ao Salém e a todas as Anas Girafas desses brasis!…

Comecei o elogitório com uma atriz magistral, Marília Pêra, e encerro com outra: Claudia Gimenez. Sua Iara não é, de fato, o melhor personagem com que foi brindada nas novelas da TV, mas para Claudia todo papel se faz grande, com sua capacidade histriônica rara. Como Claudia, vi poucos. É tipo um Jorge Dória de saias. Pega um texto, um personagem, se apossa e faz dele o que quer, adicionando seus “cacos” naturalmente. Uma gigante do humor, da liberdade bem humorada, que nos contagia e envolve do primeiro ao último capítulo, e a gente fica esperando o momento de ela aparecer. Daí que, quando foi atropelada pelo caminhão, a audiência rezou para Iara não “desencarnar”, ficar fantasminha, como sabiamente Falabella a deixou, assombrando seu núcleo inteiro…

Tudo isso para dizer que, neste elenco todo feminino, aqui citado, não há botox ou preenchimentos excessivos que atrapalhem a percepção do público. E assim sempre deve ser, também nas demais produções dramatúrgicas, desta e de todas as televisões brasileiras…

Constatamos que, em nosso país, a tendência tem sido seguir o padrão de Hollywood, das atrizes e dos atores americanos, que se esticam e puxam e se injetam ácidos. E não o padrão das atrizes e dos atores europeus, que isso repudiam (e há um ilustrativo depoimento da atriz almodovariana Marisa Paredes à TV brasileira sobre isso).

Pelos resultados desastrosos, que hoje testemunhamos, nas séries televisivas, de atores/atrizes americanos, plastificados e mumificados, com cabelos reimplantados, chegando ao paroxismo do artificialismo, este não é um bom padrão. Assim como não é um padrão bom o exagero do relaxamento, a que se dão ao luxo alguns artistas europeus, como a outrora bela Brigitte Bardot, hoje vista encarquilhada e desgrenhada, apesar de a idade ser pouca se comparada ao péssimo aspecto que tem.

Lanço, então, aqui o desafio: um padrão brasileiro.

O moderno mundo de hoje nos disponibiliza recursos para o meio termo dos cuidados sem exageros, sem paralisia facial das expressões, sem pele esticada como papel, sem bocas infladas. O padrão que poderia ser seguido é aquele que vemos em Marília Pêra, Christiane Torloni, Fernanda Montenegro, Elizângela. Atrizes de diferentes idades, que se cuidam, fazem seus tratamentos estéticos, usam seus cremes, mas não comprometem a tela onde, a cada temporada, precisam desenhar novos personagens, de diferentes níveis sociais, histórias, passados e até idades: seus rostos…

Desculpando-me com o cast masculino da novela por não ter me detido nele, sequer mencionando o excelente desempenho de Diogo Villela como o Felizardo, pois hoje elas foram o tema, aqui desejo a todos vocês, que me emprestaram a paciência de seu tempo e sua leitura, uma harmoniosa e Feliz Páscoa, estendendo os votos ao raivoso Lourinho, a quem agradeço por me ter servido de inspiração para este texto…

Muita Paz!

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