Dia de luz, festa do sol e o resgate da memória de Stuart Angel

Foi emoção em estado bruto, a inauguração do monumento Direito à Memória e à Verdade – Aos que morreram na luta por um Brasil livre, em memória do meu irmão Stuart Edgar Angel Jones, na sede de remo do Clube de Regatas do Flamengo, por iniciativa da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, em parceria com o Flamengo, o Centro Acadêmico Stuart Angel / Instituto de Economia / Universidade do Brasil e a Agência Livre para Informação, Cidadania e Educação. O objetivo desse projeto, chamado Pessoas Imprescindíveis, é resgatar a memória dos que foram torturados, assassinados e desapareceram durante a ditadura militar no Brasil…

Um dia de sol forte no Rio, 11 horas da manhã e estavam todos lá, família, amigos de meu irmão e meus, que foram levar seu abraço terno. O monumento, o 25º inaugurado, com a presença do ministro Paulo Vannuchi, vindo de Brasília especialmente para o evento, junto com a presidente do Flamengo, Patrícia Amorim, do ministro das Comunicações, Franklin Martins, que conheceu e lutou ao lado de Stuart; o vice-prefeito do Rio, Carlos Alberto Muniz, outro companheiro de ideais de Stuart, e muitos amigos dele, de luta, de escola e do remo no Flamengo, seu clube de alma e paixão, e que o abrigou, clandestino, na garagem dos barcos na Lagoa, onde os antigos companheiros do esporte o esconderam, e todos os dias saíam para lhe buscar uma quentinha numa pensão na Gávea, pois Stuart de lá não podia sair escondendo-se dos militares, que pretendiam prendê-lo, torturá-lo e matá-lo, como aliás fizeram…

Houve discursos. a presidente rubro-negra, Patrícia Amorim, falou da importãncia do clube na formação de seus atletas, contribuindo para fazê-los pessoas combativas e íntegras, como foi Stuart. Enalteceu o companheirisamo e o comprometimento entre os jovens atletas, o que o esporte sabe bem conferir a eles, e lembrou do exemplo corajoso daqueles que abrigaram Stuart na garagem do Flamengo, “onde tudo acontece”…

Depois, foi a vez da leitura da mensagem que minha irmã, Ana Cristina Angel Dronne, remeteu da França onde vive, agradecendo a homenagem honrosa. E eu falei ou tentei. Agradeci e continuo agradecendo a todos os que estavam ali e sempre estiveram ao lado de minha família. Falei de nosso empenho, sempre, de manter viva essa memória, não para fazer lembrados os nossos heróis, mas principalmente para fazer deles exemplos para os outros jovens, os de hoje, que mal conhecem essa História…

Também falou bonito, reto, o jovem estudante do Centro Acadêmico Stuart Angel, Gabriel Zelesco, filho de remador do Flamengo, como foi Stuart, e o primeiro a se movimentar e a unir as várias pontas para que aquela homenagem ocorresse. Zelesco lembrou sabiamente que Stuart e tantos outros como ele sofreram porque eram jovens e, como todos os jovens, sonhadores e idealistas. Depois, veio o Zezé, Luiz José da Silva Barros, companheiro de Stuart do Barco 8, dos tempos do remo. “Se Stuart estivesse aqui, não estaria recebendo esta homenagem, mas estaria aqui conosco, ao nosso lado, continuando a lutar por todos e pelo Brasil”…

Carlos Alberto Muniz, o vice-prefeito do Rio de Janeiro, deu seu testemunho do que foram os anos de ditadura militar, que ele viveu e sofreu . Ele e Stuart foram parceiros, passaram pelas mesmas dificuldades. Lembrou da emoção, dos tempos bons e dos momentos tristes da época, cuja responsabilidade “foi e será sempre da ditadura militar que acabou com a democracia”…

Mais emoção nas palavras do ministro Franklin Martins, que mal conseguia pronunciá-las, ao lembrar de Stuart, dos demais companheiros de luta, das perseguições da ditadura e dos muitos desaparecimentos, torturas. Falou com sentimento, falou profundo, doído e ressentido. Falou dos heróis de fato, e não daqueles “que esperaram a ditadura passar para condená-la e se insurgir contra ela”. E disse que eles fariam tudo novamente. A plateia hipnotizada, atenta, irrompeu em palmas. Mas não eram palmas comuns. Elas vinham impregnadas de admiração…

E escutamos o ministro Paulo Vannuchi falar com equilíbrio, firmeza e a determinação de quem deixa o posto no governo mas promete continuar nessa mesma luta, junto a Lula. Depois, foi decerrada a Bandeira do Brasil que encobria a escultura, ela também uma bandeira desfraldada à beira da Lagoa, bandeira de ferro e aço, como duros foram os momentos vividos pelos jovens mártires deste país. A Rodrigo de Freitas, cenário perfeito e indifinitamente lindo, para perpetuar a memória de meu irmão. Para encerrar, os atletas do remo vieram uniformizados e perfilados com seus remos, e alguém lembrou-se de fazer e a “chamada” dos nomes dos desaparecidos da ditadura, como acontecia nas reuniões dos movimentos de então. “Presente”, “presente”, todos repetiam, a cada nome chamado, presentes, sim, estão todos. E estarão hoje e sempre na História do Brasil, através de ações como esta da Secretaria de Direitos Humanos de nosso país…

Não tive cabeça para anotar nomes e lembrá-los todos. Mas minha equipe estava lá (inteirinha) e fez a relação incompleta, pois era impossível conhecer todos os nomes. Sabrina Moura Costa, Affonso Arinos do Mello Franco, Gustavo Capanema, Stelio Amarante – o embaixador que dirige as Relações Internacionais da Prefeitura, Ivan Nunes Ferreira, Sergio Chermont de Britto, Ary Bergher, Mirtia Gallotti, Paulo Jabur, Graça Lago (a filha do grande Mario Lago), Lucia Alves (a filha do saudoso Mario Alves, também herói), Anna Maria Niemeyer (filha do genial Oscar Niemeyer). Tanit Galdeano, o escritor José Louzeiro, o desembargador Luiz Felipe Francisco, Pedro Grossi, Bete Floris, o deputado federal Marcelo Itagiba e Gabriela, Mario Priolli, Leleco Barbosa. Angela Muniz, mulher de nosso vice-prefeito, também ela militante política; Wagner Tiso, os embaixadores Marcio de Oliveira Dias e Guilherme Leite Ribeiro, com Vera Lucia, Nelson Rodrigues Filho, Ricardo e Nana Cordeiro Guerra. O engenheiro português da Coba, Ricardo Oliveira Filho, Vicente Mantuano, Anna Clara Herrmann, Jorge Salomão, Mary Marinho, Cookie Richers, Maria Célia Moraes, Beth e Carlos Alberto Serpa, Miriam Gagliardi. O escritor Tiago Santiago, Waldir Leite, Isabela Francisco, James Castro Barbosa, Renata Borges, Manoel Lapa, toda a família Bogossian, Sergio Felipe Coutinho, Julia Morales, Narcisa Tamborindeguy, Vera Bocayuva, Beth Winston, Graça de Oliveira Santos, Dalal Achcar, Katia Mindlin e Martucha, Ísis Penido, Claude Amaral Peixoto, Marcelo Borges, Gisella e Ricardo Amaral. Antonio Carlos Poerner, Celina de Farias, Ana Maria Leite Barbosa, Regina Rique, Fátima Tostes, as irmãs Ilka, Gilda, Andréa e Tininha Tostes, doutora Rosa Célia, Lucília Lopes, BB Schmitt, Fernando Ruy Barbosa, Arnaldo Danemberg, Dino Trapetti, Elsa Gardenghi. Luiz Carlos Martins Machado, presidente do Instituto Zuzu Angel; Afonso Luz, diretor de políticas culturais do Minc. Marcia Bibiani, Luiza Marcier, Maria Anisia Buffara, Amarilis Vianna, Vanda Klabin, Monica Farias, Diana Vianna, Silvia de Souza, Alda Soares, Ignês e Sérgio Costa e Silva, Rawlson de Thuin. George Chalaris, companheiro de escola e de esporte de Stuart; Carlos Wajner, companheiro da Economia da UFRJ e da luta política, e outros companheiros militantes havia lá. De São Paulo, a diligente assessora do ex-ministro José Dirceu, Maria Alice, veio representá-lo, ausente que ele estava do Brasil, na Venezuela. O produtor Joaquim Vaz de Carvalho, do filme Zuzu Angel, companheiro de Rua Barão da Torre do Stuart; o diretor do filme, Sérgio Rezende; a produtora de cinema Mariza Leão. Sem esquecer Harry Edmund Klein, que foi um dos maiores remadores da história do Flamengo…

E deixo para o fim a transcrição do depoimento do jornalista Antonio Maria Filho, também remador como Stuart, cuja leitura abriu a cerimônia, o qual reproduzo na íntegra, abaixo:

Artigo de Antonio Maria Filho:

“A luta de Stuart Angel Jones”

“No fim dos anos 60, o técnico de Remo do Flamengo, Guilherme do Eirado Silva, o Buck, passava pela Central do Brasil e se assustou ao ver um soldado com fisionomia idêntica à de Stuart Angel, seu ex-remador e pessoa que lhe era muito querida. Naquela ocasião, as notícias sobre Stuart eram quase nenhuma. Temia-se, inclusive, que ele já estivesse preso.

Então, Buck se aproximou dele, que apreceu assustar-se ao vê-lo. Para o espanto do treinador, o soldado piscou-lhe o olho, como se lhe pedisse para se afastar dali. Buck entendeu e saiu, convicto de que aquela pessoa era mesmo Stuart – certamente ele se vestira daquela forma para correr menos riscos de ser preso.

A carreira de Stuart como remador foi curta, mas vitoriosa. Ele brilhou intensamente na temporada de 1965, e seus barcos sempre venciam. Ele era o voga das guarnições. Ou seja, o remador que, durante a prova, dita o ritmo de remadas para os demais companheiros. Meus contatos com Stuart eram poucos. Eu remava no Botafogo. Mas na Lagoa todos se conheciam. Só que ele evitava ao máximo comentar sua ligação com a militância política.

Stuart se refugiou na garagem do Flamengo. Stuart era discretíssimo – não poderia ser diferente – e as conversas com ele giravam sempre em torno das festinhas de sábado à noite – pouquíssimas. No remo, treina-se também aos domingos de manhã.

Stuart era extrovertido e namorador, como qualquer rapaz da sua idade. E mais: não escondia sua admiração pelo cantor Chubby Checker, a quem imitava com perfeição nos passos de twist – a dança da época.

Se algum amigo insistisse em lhe perguntar sobre a militância, limitava-se a dizer: “Está ficando perigoso andar comigo”. Stuart desapareceu da garagem de remo em 1066. As pessoas mais ligadas a ele, como os remadores Zezé, Maçol, Cláudio, ERnesto, Ramón e Manoel, entre outros companheiros de barco, mostraram-se preocupados. Temiam algo pior. Buck, que após um estágio de treinamento na Rússia se dizia comunista de carteirinha, talvez fosse a pessoa com quem Stuart mais se abrisse.

Uma vez, Stuart levou Zezé para uma reunião de militância, numa casa antiga, em Botafogo. Ela aconteceu nos fundos da casa, parecia uma reunião de conscientização. Fiquei impressionado – disse Zezé. Numa outra ocasião, ele foi a um restaurante com Stuart e, na hora de se despedirem, percebeu o drama vivido pelo companheiro, que já não remava mais. “Quando nos preparávamos para sair do restaurante, ele me pediu: “Vá na frente. Irei depois. Juntos, é perigoso para você”.

Quando o cerco a Stuart começou a apertar, o diretor do Flamengo Getúlio Brasil Nunes e o técnico Buck permitiram que ele dormisse no alojamento da garagem de remo, e Stuart sequer saía para comer. Os barqueiros Correia e Marta Rocha buscavam sua comida numa pensão que ficava no início da Rua Marquês de São Vicente, na Gávea. Mas isso durou pouco. Stuart resolveu partir. Não queria que nenhum de seus amigos fosse considerado subversivo por ajudá-lo.

E, dias depois, desapareceu para sempre e, anos depois, o anúncio de sua morte causou grande comoção no remo rubro-negro.

Obviamente, o filme “Zuzu Angel”, do diretor Sérgio Rezende, foi muito comentado nas garagens de remo do Flamengo, do Botafogo e do Vasco. Quem viveu aquela época e ainda não viu o filme quer matar as saudades de um grande companheiro. E aqueles que não o conheceram parecem ansiosos para ver o filme que conta a história de um remador idealista que lutou até a morte para ver o país democratizado…”

Fotos de Sebastião Marinho

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Memorial de Stuart Angel, uma escultura da artista plástica Cristina Pozzobom,

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Descerrando a placa

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Ministro Vannuchi em seu discurso

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Patrícia Amorim em seu discurso

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Ministro Franklin Martins

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Vice-prefeito Carlos Alberto Muniz

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Hilde recebendo a placa do Flamengo

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Fala do Zezé, Luiz José da Silva Barros, amigo de Stuart

Angel 5311 Dia de luz, festa do sol e o resgate da memória de Stuart Angel Gabriel Zelesco, do Centro Acadêmico de Economia Stuart Angel, da UFRJ

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Primeira fila: Ministro Vannuchi, Hilde, ministro Franklin Martins, vice-prefeito Carlos Alberto Muniz e presidente Patrícia Amorim

Segunda fila: Ivete Najn, Carlos Wajner, Angela Muniz, Lucília Lopes

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O imortal da Academia de Letras e da Academia Brasileira de Artes, Afonso Arinos de Mello Franco

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Gustavo Capanema, vice-presidente executivo da Academia Brasileira de Artes

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Mirtia Gallotti, Katia Mindlin, Dalal Achcar

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1ª fila: Monica Farias e Maria Célia Moraes. 2ª fila: os embaixadores Stelio Amarante e Marcio Oliveira Dias

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