Declarações de constitucionalista gaúcho deixam mundo jurídico nacional de cabelo em pé!

O mundo jurídico está de cabelo em pé desde ontem, quando Lenio Streck, um dos juristas mais importantes do país, rompeu seu silêncio, falando ao Consultor Jurídico.
De fato, Streck rasgou o verbo. Com a autoridade de seu saber inquestionável, o jurista compara o Ministério Público ao menino dono da bola, que quer mudar as regras do jogo para fazer prevalecer sua vontade.
Lenio Streck não é uma estrela da mídia. Ele é muito mais.  O grande constitucionalista gaúcho é ouvido por jurisconsultos de todo o Brasil, quando lhes ocorrem dúvidas sobre pareceres legais, enfim, é um dos nossos raros respeitados oráculos jurídicos.
Lenio Streck não está nas manchetes dos noticiários nem busca a luz dos holofotes. Ao contrário, ele está refugiado em sua biblioteca, em seu gabinete de trabalho, em Porto Alegre, onde é permanentemente consultado pelos advogados mais caros e celebrados da Nação.
LENIO STRECK: O QUE FAZER QUANDO O MP QUER VIOLAR A CONSTITUIÇÃO?

Por Lenio Luiz Streck, no Conjur

Quando eu era pequeno, tinha um menino que não jogava muito bem, mas era o dono da bola. Quando não conseguia ganhar, pegava a bola e ia embora. Pois o Ministério Público — instituição à qual pertenci, com muita honra, durante 28 anos, sempre acreditando em seu papel de guardião o Estado Democrático — agora quer pegar a bola ou mudar as regras. Parece que não está gostando “do jogo”. Penso que isso é muito feio, para usar as palavras que usávamos para criticar o menino-dono-da-bola.

Com efeito, leio que o Ministério Público, na linha do Poder Executivo, acha que o problema do combate à corrupção é a deficiência das leis. Simples assim. Não acredita na Constituição. Nem o Poder Executivo e nem o MP parecem acreditar nas regras do jogo. Como parecem estar perdendo a luta contra o crime — isso está implícito nos discursos — propõem mudar as regras (clique aqui para ler). Querem regras mais fáceis… para o MP. E para a Polícia. Pouco importa o que diz a Constituição.

Há alguns anos, estávamos Jacinto Coutinho, Fernando Faccury Scaff, Luís Alberto David de Araújo, Antonio Avelãs Nunes, Gabriel Ciríaco e eu em um Congresso em Maceió. Ouvimos uma promotora de Justiça defender exatamente o que defendeu agora o procurador Nicolao Dino Neto: a relativização da prova ilícita. Dizia ela: “onde já se viu absolver alguém que se sabe que cometeu o crime só porque a prova foi ilícita?” Todos caímos de pau no discurso da promotora. Pois passados tantos anos, o assunto volta à baila.

Consta no noticiário que o MPF quer mudar o Código de Processo Penal para que até mesmo provas ilícitas possam ser usadas nas ações penais, quando “os benefícios decorrentes do aproveitamento forem maiores do que o potencial efeito preventivo” (sic). A medida está em um pacote anticorrupção apresentado pelo MPF nesta sexta-feira (20/2) e faz ressalvas, para casos de tortura, ameaça e interceptações sem ordem judicial, por exemplo. Ufa. Ainda bem que essas ressalvas foram feitas. Caso contrário, seria a institucionalização de uma jihad!

O discurso é velho. Serôdio. Na ditadura não se fazia pior. E nem melhor. Quando não se consegue pelas vias normais — institucionalizadas pela democracia (sim, a democracia, cara pálida, essa que conquistamos) — tenta-se pela via do Estado de Exceção. O governo faz a mesma coisa. Em vez de lutar — não só agora, mas há muito — pelo combate à impunidade, quer surfar na onda. Bonito isso…. Não conheço ninguém — a não ser corruptos, proxenetas etc — que sejam contra o combate à impunidade. Até as pedras querem isso, o combate à impunidade. E jornalistas e jornaleiros também. Então é fácil vir com discurso tipo “tem recursos demais”, “a prescrição é muito curta”, “as penas tem de ser hediondas”, “a proibição de prova ilícita atrapalha o combate ao crime” e assim por diante. Assim, fica fácil propor que se violem cláusulas pétreas, como a presunção da inocência e a vedação de provas ilícitas.

Diz o Procurador Nicolau Dino Neto: “É preciso fazer uma ponderação de interesses e verificar em que medida a eventual irregularidade na produção da prova pode indicar prejuízo à parte. Se não houver algo que evidencie prejuízo à defesa, nada justifica a exclusão dessa prova”.

Não faltava mais nada. Tinha que aparecer a tal da “ponderação”, a famosa katchanga real (ver aqui). O que é a ponderação de interesses? Interesses de quem? Estamos tratando de direitos ou de interesses? Voltamos ao inicio do século XX? Estão lendo os livros errados lá no MPF? Ninguém estuda nesse país? Por que o MP manda seus agentes estudarem no exterior? Para “descobrirem” que prova ilícita pode ser relativizada em nome do interesse público? Se for isso, temos de pedir o dinheiro de volta!

E o que é “eventual irregularidade”? Quem diz o que é e o que não é irregularidade? O MP? O juiz, com sua consciência? Ah, bom. Vamos depender das boas consciências de juízes e promotores. A história nos demonstra bem isso. Em pleno século XXI, todos os 27 tribunais da Federação invertem o ônus da prova em Direito Penal em casos de furto, estelionato e trafico de entorpecentes… Vou demonstrar isso em uma coluna específica. Os dados eu já tenho. É uma boa amostra de como isso anda em Pindorama…

O exemplo sobre a prova (i)lícita que o procurador Dino dá é inadequado e infeliz. Quer dizer que a interceptação telefônica pode ser feita inconstitucionalmente? Quer dizer que os fins justificam os meios? E os efeitos colaterais? E o precedente que isso gera, procurador? Ah, mas era uma carga de cocaína. Ótimo. E quem diz que o juiz ou o promotor ou o policial não vão usar isso em outras ocasiões? Abrir a porteira do ilícito cometido pelo Estado é cair na barbárie. Isso mesmo.

A propósito: quem deve defender a Constituição não pode aprovar uma violação. Penso que até deveria ser analisada no plano disciplinar a declaração do Procurador, quando aprova o uso de prova ilícita. Explico: se o uso de prova ilícita é crime (Lei 9.296/96), quem aprova o seu uso incentiva o crime. Ou o incita. Estou sendo duro, mas, por vezes, as coisas devem ser ditas nas palavras exatas. Há muita demagogia nessa coisa de combate ao crime em Pindorama.

Outra coisa: que história é essa de justificar o uso de prova ilícita a partir da garantia da subjetividade do juiz, que tem discricionariedade? Ops. Todos lutamos contra isso. Parece que, na contramão do novo Código de Processo Civil, o MPF apoia o livre convencimento. E a livre apreciação da prova. Claro. Porque, agora, interessa. É uma coisa “boa ad-hoc”. Um voluntarismoad hoc. E um utilitarismo pós-moderno. O que diz a Constituição? Não importa. O que importa é o resultado. Sim: uma política publica de combate à criminalidade de resultados.

E que “coisa” é essa de “os ajustes no CPP também preverem que o juiz só anule atos se fundamentar claramente a decisão. Se isso acontecer, o juiz deverá ordenar as providências necessárias a fim de que sejam repetidos ou retificados’”.

Como assim, Excelência? Quer dizer que, se existir uma prova ilícita, o juiz pode mandar consertá-la? Vou estocar comida. Passaram dos limites.

Outra das medidas é acabar com alguns recursos. Isso. Quem sabe o MPF sugere num artigo novo no CPP dizendo:

Art. X: O acusado é culpado até provar a sua inocência.”

E um parágrafo único:

“Se o agente for encontrado na posse do objeto do crime e não conseguir explicar, desde logo estará condenado, dispensando-se a formação do processo.”

Bingo. Genial também é a ideia de transformar a corrupção de altos valores em crime hediondo. Pronto. Essa é uma solução supimpa. Na Inglaterra do século XVIII transformaram o ato de bater carteiras em pena de morte por enforcamento. No dia dos primeiros enforcamentos — em praça pública — foi o dia em que mais carteiras furtaram. O exemplo fala por si. Lembro quando transformaram o crime de adulteração de remédios em hediondo. Maravilha. Os resultados estão aí. Todos conhecemos.

Numa palavra final.

Despiciendo dizer que estamos todos de saco cheio da corrupção, do proxenetismo com o dinheiro público etc. Não conheço jurista que não queira uma sociedade melhor. Mas, por favor, para isso não precisamos romper com o pacto constituinte. Se um deputado apresentasse esse pacote, diríamos que “esse edil não conhece a Constituição”. Mas o Ministério Público apresentar um projeto em que se relativiza provas obtidas por meio ilícito e outros que tais? Não pega bem.

Aliás, se o parlamento aprovasse um projeto nos moldes desse apresentado pelo MPF, a primeira coisa que eu esperaria é: o Procurador-Geral da República ingressará com Ação Direta de Inconstitucionalidade. Só que, neste caso, ele é quem propôs a inconstitucionalidade. Ups.

Compreendem o que quero dizer?

And I rest my case. Tinha de dizer e escrever isso. Depois de vinte e oito anos de Ministério Público, em que, diuturnamente, procurei zelar pela Constituição. Já no primeiro dia depois de sua entrada em vigor, fiz a primeira filtragem hermenêutico-constitucional. Lá na Comarca de Panambi, que, por coincidência, chegou a se chamar Pindorama! E continuei fazendo controle difuso anos e anos a fio. Preocupa-me que, passados tantos anos, que a própria Instituição venha a propor coisas como a relativização da prova obtida por meios ilegais. Afora outras anomalias. Pode até haver coisas interessantes no pacote. Mas o saldo não me parece bom, pela simples questão que vem contaminado pela “questão da relativização da prova ilícita”.

Post scriptum: E não venham dizer, depois, que “não era bem isso que o MPF queria dizer”. OK. Mas, então, por que propuseram alterações para “alterar o regime da prova ilícita”? Hein?

22 ideias sobre “Declarações de constitucionalista gaúcho deixam mundo jurídico nacional de cabelo em pé!

  1. O Jornalista Caco Barcellos em entrevista (vídeo pela internet) responde pergunta de Eliane Catanhede e em dado momento lembra que Collor foi cassado por falta de decoro, mas depois foi absolvido criminalmente pelo STF.
    Me lembro de uma reportagem no programa de Goulart de Andrade (faz muitos anos) “Erros Policiais”, mas que na verdade deveriam ter o nome de “Erros Judiciais”. Dentre muitos depoimentos, Delegado aposentado informou que depoimentos que inocentavam um acusado desapareceram do processo no Forum. Inúmeros absurdos que condenaram inocentes.
    Portanto, quando querem condenar inventam “domínio do fato” e agora “doações para partido na verdade eram propinas disfarçadas”. Como é que falam mesmo de certas coisas?: “jabuticaba brasileira”.

  2. Parabéns Hilde pela sensatez nestes tempos tão conturbados.
    É uma pena a estreita visão de quem se pauta apenas pela mídia popular que só desinforma ao comentar e criticar este excelente texto da Hilde.
    Dizer que a justiça pode se utilizar de provas ilegais para condenar alguém é o mesmo que aceitar que coloquem drogas no bolso ou carro do cidadão honesto apenas para condená-lo.
    É TÃO DIFÍCIL DE ENTENDER
    Nas prisões brasileiras há mais de 700 mil presos esperando julgamento e sem estarem condenados. Qtos estão ilegalmente presos???
    Na vida não vale tudo a qualquer custo e todos deveriam aprender, principalmente o judiciário.

  3. Esse blog censura opiniões de leitores (a grande maioria) contrários à malta do PT, envolvida até a medula em escândalos intermináveis. Como tudo na vida acaba, o ciclo do PT está muito perto do fim.

  4. Hilde, ontem, segunda, dia 23, Collor fez contundente discurso, no senado, seguindo a tônica do jurista Lenio Streck. Vale a pena tua atenção para as afirmações de Collor sobre Janot e demais do MP e da PGR. Com a coragem e determinação habituais, Collor traça um perfil duro, mas claro, estarrecedor e irretocável de Janot. Leia que não vai se arrepender.

  5. Poderia, alguém explicar o significado da prova ilícita? Mas, não venham me dizer, que a lícita é aquela autorizada por lei, e a outra não. Assim, simplesmente. Pergunto, se, uma prova conseguida, sem autorização da Justiça, mas, posteriormente, comprovada, que, aquela prova, está comprovando fatos verdadeiros,lícitos, ou, ilícitos, não poderia a Justiça validá-la, a fim que, a Justiça seja feita, com uma absolvição ou condenação?
    É. uma discussão válida.

    • Na teoria, eu não saberia explicar mas, na prática, prova ilícita é aquela obtida contra um integrante da CASA GRANDE, incluído na rede de proteção mantida pelo consorcio MP/Judiciário/Midia. Reza no acordo que nenhum caso deve ser investigado e julgado antes de consideradas válidas as provas devidamente publicadas e comentadas no JN. Essa é, em poucas linhas, a descrição sucinta da ESCULHAMBAÇÃO INSTITUCIONAL a que estamos submetidos.

  6. Excelente, um raro momento de lucidez em meio a manifestações estapafúrdias e desconectadas da realidade histórica.

  7. Querida Hilde, embora seja um Lins e Silva, talvez nunca alcance o socialista e jurista Evandro Lins e Silva, que me derrubou com Collor só porque eu resmungava em descer de Petrópolis ao Rio ou ir pra Brasília do Fernando Afonso, mas esse deleite não vem ao caso.
    Hilde, o problema é que o Código Penal e o Código do Processo Penal nossos são do tempo da 2GM, ou seja, aqui no Brasil só tinha duas funções, perseguir e prender os pretos e ou os comunistas, ao meu ver o MP não tem essa culpa toda, depois de 88, agora que encerramos a legislação civil(privada) subordinada a Carta Cidadã, nossa legislação penal(pública) além de obsoleta e barata é anti-histórica à democracia republicana no Brasil.
    Agora pasme de um pretenso jurista que adora ler Saramago, depois de tudo isso posto, nosso atraso em ter pelo menos uma legislação constitucional sincronizada que permita pelo menos ela funcionar, nós temos a língua portuguesa-ex-galega, quando era galega era menos subjetiva, agora nós temos a língua mais erudita do mundo, mais romântica, mais subjetiva e mais plural de interpretações, as vezes imagino que Shakespeare queria ter nascido português, mas o problema jurídico que esse idioma riquíssimo de uma nação pobre me trás é que o mineiro tem a fama do come quieto porquê não come é nada, na minha vida eu nunca vi ninguém que come muito ficar quieto, voltando para o Direito Hilde, é isso, os nossos códigos legislativos não podem ter apenas dois, o código material e o processual, tem que ter o terceiro, que seria o hermenêutico, sem esse cada advogado, cada juiz, cada desembargador, cada ministro vai ter uma interpretação individual de cada artigo de lei, culpa dos espanhóis que não sabiam que os portugueses eram bem mais gatunos que eles ou mais malandros.
    Mas volto a destacar, o maior culpado ainda é o Congresso-Poder Legislativo, que nunca foi talhado ao lavoro, não é a toa que Lênin, grande comandante soviético taxou logo de instituição burguesa mais perfeita e poderosa-o Parlamento.
    Beijo minha colunista de do falecido R.Marinho, preferida.

    • Sr.Dr. Alvaro Li8ns e Silva, permita-me lembrar-lhede que os portugueses sempre foi um povo de muito trabalho e honesto.La vivi imensos anos, sou casadacom um e, como o Sr., tambem advogado.Dizer – generalizacoes sao sempre nao muito inteligentes, perdoe-me, que os portugueses saomas gatunos nao so e uma barbarie, como igualmente reflete uma total aversao a historia das colonizacoes.Os espanhois foram a raca que mais barbaridades e matancas, exterminios, cometeram.Furthermore,quanta gloria se os brasileiros possuissem a cultura geral dos portugueses. E a educacao deles.Um “en passant”………Passar bem.Tatiana Cohen C.Rodrigues

  8. A corrupção não se combate atropelando o Estado de Direito, e sim com mais Estado de Direito. Reforma política já!

  9. O que o eminente professor Lenio Streck fala é limitado pelos protocolos impostos pela sua condição de jurista erudito. Eu, na minha ignorância, penso que a coisa é muito mais grave que simples voluntarismo e compulsão de protagonismo presentes nos quadros do MP. A coisa vai muito mais além. O que ocorre, no meu modesto entendimento, é que a corrupção não arrefece porque há a garantia da impunidade para determinados casos e a certeza da condenação (provas são “uma quimera”) para outros. Pratica-se no MP e no judiciário um partidarismo escandaloso a favor do Partido da velha mídia. A fraude montada pelos procuradores Antônio Fernando de Souza e Roberto Gurgel na peça acusatória originária da AP 470 é apenas um exemplo.

  10. Todo mundo nota que este respeitável blog é petista de carteirinha.
    É um direito dele. Não se questiona.
    O que se pede é um mínimo de imparcialidade, termo que rima com credibilidade, aceitabilidade e confiabilidade.

    • E da para notar que voce é tucano de carteirinha, sendo assim, deve ser leitor da velha mídia, tambem deveria pedir a eles imparcialidade, que também rima com credibilidade, aceitabilidade, e confiabilidade…..Ou aceita tudo que eles escrevem sem imparcialidade?

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